ARQUIVO SÃO JOSÉ DO RIO PRETO

O negro e a Swift, segundo Aristides dos Santos

Por Toninho Cury

21 de Dezembro de 2012, Sexta feira. Enquanto toda a mídia mundial noticiava o final do mundo, segundo o “Calendário Maia”, eu recebia em meu escritório, a visita ilustre de nosso líder negro, Sr. Aristides dos Santos.

Convalescente de uma internação hospitalar, coisa rara, apesar de seus 98 anos vividos, sentou-se à frente de minha mesa e começou a contar sobre a figura do negro na “Companhia Swift do Brasil”, inaugurada em 1944, às margens da represa municipal em São José do Rio Preto.

Apesar de final de ano e muita coisa para acertar em meu escritório, dispensei meus afazeres por uma hora. Peguei uma caneta e com sua permissão, pedi para anotar tudo, como também, para publicar na íntegra suas palavras.

Poucos sabem, mas Sr. Aristides é Kardecista e através dessa ótica é que começamos a entrevista.


TC: O que o Sr. diz a respeito da Swift ?

A: Na Swift, está impregnada a energia do negro. Veja bem: demoliram a Catedral, Casa Rignani, Comind, Mansão de Avelina Diniz, Mansão da família Sestini e até o painel de Vargas, onde residiu o primeiro morador de Rio Preto, João Bernardino de Seixas Ribeiro, e a Swift, embora abandonada anos e anos, ninguém a demoliu.

 

 

 

TC: E como se explica isso?

A: Talvez, pelo fato, segundo o espiritismo, de estar lá impregnado a miséria, o preconceito e a exclusão do negro naquele estabelecimento.

Me lembro bem, eram só ingleses que contratavam funcionários para trabalhar. Eram preconceituosos. Só trabalhavam brancos na fábrica. Aos negros, sobravam serviços braçais pesados e sem higiene alguma.

 

 

 

TC: Qual tipo de serviço?

A: A “Swift” produzia duas marcas de óleo:  “A Patroa” e  “A Dona”. Aqui, era industrializado o óleo bruto e em Campinas-SP, refinavam e embalavam. Esses produtos eram vendidos no Brasil, Alemanha e Holanda.

Eram os negros quem carregavam e descarregavam vagões de trens com sacas de milho, caroço de algodão e gergelim. Na época, eram conhecidos como “saqueiros”.

Não haviam regras de horários de trabalho. Tudo era tratado por empreita de “tantos vagões”, sem horário de parar.

 

 

 

TC: Devia ser muito duro. Como suportavam?

A: Veja amigo, após o término dos serviços, a dor no corpo era tanta, que o negro se afundava na pinga.

Ao acabarem os carregamentos, pegavam o “rumo” da João Mesquita, subiam a Bernardino até a Pedro Amaral. Lá ficava o “Bar do Issa”. Tinha toda qualidade de pinga. Boa parte do pagamento do negro pelos serviços prestados na Swift, ficava naquele bar. A energia era péssima. Eu passava longe. Ficava triste em ver negros caídos ao chão devido a pinga.

 

 

TC: E o que virou do bar?

A: Fechou. O Issa, dono do bar, morava sozinho dentro do estabelecimento. Certo dia, o bar não abriu. Bateram na porta e nada. Ao arrombarem, o Issa havia cometido o suicídio.

 

 

TC: Existiam outros bares freqüentados pelos negros?

A: Na baixada do Rio Preto, os bares eram freqüentados por brancos e negros, mas poucos vendiam pinga no balcão. Veja bem, havia o ponto dos negros, que era em frente ao armazém de secos e molhados do Sr. Antonio Camarero. Os negros ficavam na calçada a espera de serviços braçais. O Sr. Camarero não só dava serviços aos negros, como também vendia seus produtos a eles.

 

 

TC: O Sr. trabalhou alguma vez na “Swift”?

A: Não. Nunca trabalhei lá. Meu irmão, conhecido por “Zé neguinho” (José Evangelista dos Santos) foi “saqueiro” da “Swift” por um bom tempo.

 

 

TC: Ele está vivo?

A: Não. Morreu em Santos.

 

 

TC: Em Santos?

A: Sim. Após o fechamento da “Swift”, ele foi trabalhar de “saqueiro” nas docas de Santos. Carregava só café para a “Bolsa de Café”. Bebia tanto, que morreu em conseqüência do alcoolismo.

 

 

TC: Para finalizar, o Sr. gostaria de dizer mais alguma coisa sobre a “Swift”?

A: O negro deu sua parcela no engrandecimento da “Swift” e nunca foi reconhecido por isso.

A “Swift” não caiu, porque é a força vital de Rio Preto e teve assistência espiritual do negro e dos “pretos velhos”. Temos ao seu lado, um hospital, biblioteca, centro cultural, jardim da represa e muita coisa útil.

 

 

TC: Muito obrigado, mais uma vez, por essa pérola de declaração. Um bom Natal e um 2013 com muita saúde e até Fevereiro na festa de seus 99 anos !

A: Obrigado amigo, mas antes vou voltar para conversarmos mais.

 

 

TC: Será um prazer. Posso fazer uma foto de meu celular para colocar em meu site?

A: Pôxa, Toninho! Nem precisa pedir.