A Santa Ceia do Nicolau

Quem é o Judas?


Na pequena e simpática cidade paranaense de Ribeirão do Pinhal, distante 407 quilômetros de Curitiba, moram cerca de 15.000 habitantes. Conhecida como a capital paranaense do café, Ribeirão do Pinhal poderia ser apenas mais um entre os milhares de municípios brasileiros, se não fosse pela Santa Ceia do Nicolau. A igreja matriz em Ribeirão do Pinhal é o Santuário do Divino Espírito Santo, uma bela construção em estilo romano, que foi reformada interna e externamente, quando era pároco André Waldomiro Jaworski (primeiro sacerdote ordenado em Ribeirão do Pinhal, morto em 2000).
Padre Jaworski dedicou-se exaustivamente à reforma do santuário, dividindo-se entre as obrigações sacerdotais e o sonho de ver a igreja totalmente reformada, pronta para ser um símbolo para a comunidade.
Assim começou a saga do Nicolau.
Tupã Paraná Nicolau (conhecido na cidade como o bom turco), artista plástico, nasceu e mora em Ribeirão do Pinhal. Em 1999, emprestava seu talento para pinturas de faixas, paineis e frases de caminhões. Padre Jaworski queria contratar um artista para pintar a Santa Ceia, de Leonardo da Vinci, na abóboda do presbitério. Chegou a orçar o serviço com artistas conhecidos e habituados a este tipo de trabalho, mas o preço conseguido, segundo o padre, daria para construir outra igreja. O padre então, não teve dúvidas, recorreu ao talento do Nicolau. “Mas, padre”, disse Nicolau, ”eu não tenho condições de fazer esse tipo de pintura. Sou pintor de faixas”. O padre disse a Nicolau que já tinha visto seus desenhos de cavalos, então, que teria condições de fazer a Santa Ceia. “Mas, padre, é muito diferente.” “Não quero saber, Nicolau, você vai fazer a pintura na igreja e fim de discussão.”
Logo, padre Jaworski tratou de comunicar à comunidade, durante a missa, que Nicolau iria pintar a Santa Ceia na abóbada da igreja e Nicolau não teve mais como sair dessa confusão. Nos dias seguintes foram só surpresas para o Nicolau.
O padre surgiu então com o modelo da pintura que queria, a Santa Ceia, de Leonardo da Vinci. “Mas padre, eu não tenho capacidade para reproduzir esse desenho.” “Se vira, Nicolau. Faz um esboço aí no papel para que eu veja agora.” Nicolau assim o fez. “Pronto, é isso o que eu quero. Só que tem alguns detalhes, os apóstolos deverão ter os rostos das seguintes pessoas: · papa João Paulo II; · padre frei Doroteu de Pádua (primeiro vigário de Ribeirão do Pinhal); · padre frei Demétrio Maria (nomeado vigário no ano de 1955); · cônego Wenceslau Wiktor; · padre André Jaworski (ele próprio); · dom Pedro Filipak; · dom Conrado Walter; · cônego Henrique Bergman; · padre Frei Henrique de Treviso (pioneiro da evangelização em Ribeirão do Pinhal); · dom Helder Câmara; e · padre Sigismundo Drianski (nomeado vigário no ano de 1963).”

Nicolau percebeu então que faltava um apóstolo na Santa Ceia, Judas Iscariotes. Padre Jaworski disse então que ainda não sabia quem seria a figura do Judas, mas que assim que decidisse comunicaria ao artista.

Nicolau pediu então o material necessário para iniciar a pintura. Mas padre Jaworski, depois de orçar os custos da tinta solicitada (tinta óleo, própria para esse tipo de pintura), disse ao Nicolau que o pedido daria para trocar todo o piso da igreja, então por isso, Nicolau iria pintar com tinta latex, que a igreja receberia gratuitamente.

“Mas, padre, não é possível fazer a pintura com tinta latex. Ela seca muito rápido, não dá para corrigir os erros e prejudica os detalhes”. “Se vira, Nicolau”.

Nicolau iniciou então a pintura e o padre, sempre muito agitado, cada vez que via o trabalho iniciado na parede, brigava com o artista por algum motivo…. Ora era o Cristo que estava muito pequeno, ora o pé muito grande, depois muito escuro e assim por diante…. Nicolau se via louco com o padre e suas exigências. O próprio padre pediu que o Cristo fosse maior que os outros e o pé tinha que ser proporcional. Mas ficava muito grande em comparação ao pé de dom Helder que está sentado à frente. A solução foi descer a toalha da mesa para que não aparecessem os pés.

O trabalho do Nicolau foi assim, dia após dia o padre Jaworski brigando: “Você não está vendo, Nicolau”, “presta atenção, Nicolau”, “faz direito, Nicolau”.

Nicolau já estava trabalhando há dias, e até então, nada de pagamento. Sempre perguntava ao padre, até que um dia, padre Jaworski disse que havia feito uma reunião com os conselheiros e que a igreja não tinha como paga-lo.

“Deus irá lhe recompensar”, disse o padre, “você será o Judas Iscariotes e assim ficará eternizado no quadro como forma de pagamento.”

Mesmo assim, Nicolau continuou. Até que um dia, enquanto pintava, o padre entrou na igreja, sentou-se no primeiro banco e ficou quieto, observando. Nicolau estranhou, pois já esperava a bronca, a reclamação, e não veio nada. E assim o padre continuou, de braços cruzados, até que falou: “Corre, Nicolau, me ajude, estou morrendo”. Nicolau, assustado, pensava que o padre estava brincando. “Corre, Nicolau, estou tendo um ataque cardíaco”.

Rapidamente, Nicolau desceu do andaime, pegou o padre nos braços, chamou um taxi e o levou ao posto de saúde. E assim, o padre Jaworski morreu, nos braços do Nicolau.

Desde a morte do padre, em 2000, até hoje, a obra permanece como ficou e o artista, Nicolau, figura como Judas, observando atrás de uma coluna.

O padre Jaworski, conforme sonhado por ele e pedido, foi sepultado na própria igreja.